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Lean nos Organismos Públicos

Atualizado: 10 de dez. de 2019

A Melhoria Contínua terá começado como Lean Manufacturing mas as provas dadas são de tal ordem que têm demonstrado aplicabilidade nos mais vários sectores de actividade, privada ou pública.


A Melhoria Contínua é muitas vezes vista como uma filosofia, mas é na sua vertente operacional, que se traduz num programa estratégico para as empresas, que tem proporcionado, muito em particular à indústria (sua mais antiga e prolifera defensora), uma miríade de vantagens ao ponto de ser considerada um dos grandes pilares da competitividade de hoje. Nela encontramos benefícios tanto tangíveis como intangíveis: da motivação dos colaboradores aos níveis crescentes de satisfação dos clientes e a uma redução da estrutura de custos associada. 

Teve origem na indústria automóvel do pós-guerra e viu, na segunda metade do século 20, um crescimento tal que é actualmente omnipresente em todas as organizações de reconhecida excelência operacional, sejam elas na indústria, na banca ou na saúde.

 

A sua aplicabilidade no sector público tem vindo, finalmente, a ser ponderada nesta última década. Uma vez quebrada a barreira dos serviços, venceu algum do cepticismo inicial e depois de alguns projectos pioneiros, países como a Suécia, a Dinamarca ou o Reino Unido, para nos referirmos apenas à Europa, estão profundamente empenhados na proliferação desta melhor prática, como suporte da gestão dos dinheiros públicos.

A Transversalidade do Lean

Na década de 70, a Melhoria Contínua libertou-se da associação a uma linha de produção e abraçou toda a gestão operacional, ganhando maturidade junto de processos administrativos. À medida que a própria indústria foi incorporando os serviços como reforço da sua oferta, também a Melhoria Contínua se foi adaptando aos novos processos e é hoje utilizada com igual desempenho em áreas como a saúde ou a banca.


As primeiras aplicações de Lean na administração pública surgiram nos EUA e no Reino Unido no início deste milénio, em particular no sector da saúde e a partir daí a sua prática não tem deixado de crescer, tendo hoje encontrado aplicação em estruturas policiais e militares, no sistema de educação e em municípios, como nos relatam alguns estudos realizados em Espanha, no Brasil, na Dinamarca, entre outros.


Os Desafios Particulares dos Serviços Públicos

Os desafios que se apresentam à administração pública prendem-se talvez com 2 factores fundamentais: Por um lado, a perenidade das chefias, uma vez que nestas organizações estão sujeitas a um período eleitoral, questão essa que não é exclusivo deste sector, dada a rotatividade de funções que se observa nas organizações privadas. Por outro lado, há a natureza dos serviços por oposição aos produtos oferecidos pela indústria: a intangibilidade dos serviços dificulta a “observação dos processos”, e a perecibilidade inviabiliza a produção por antecipação.


Enquanto que o obstáculo da intangibilidade foi já desmontado nestas últimas décadas, o da perecibilidade pode até ser visto como uma vantagem, dado que não permite a produção em excesso nem o risco de obsolescência, males comuns na indústria. A perenidade das chefias é até uma vantagem, uma vez que o processo eleitoral dá aos gestores do sector público uma maior legitimidade.


Seja como for, o objectivo dos serviços, como o dos produtos, resume-se à satisfação de necessidades dos seus clientes que por isso lhe atribuem um valor, e consequentemente cabe ao cliente, e não á organização, valorizar determinada função ou capacidade. Nessa medida o cliente em nada é distinto de um serviço ou produto.

A Abordagem, em Tudo Semelhante 

É fundamental fazermos eco das referências que apontam a Melhoria Contínua como uma mudança cultural que se pretende ver adoptada nas organizações, e deve ser abordada como um programa de mudança que se quer o mais profundo e abrangente possível. 

Nesse sentido, um programa para ser bem-sucedido tem que contemplar 3 vertentes: um absoluto alinhamento estratégico; uma total mobilização dos colaboradores; uma rigorosa disciplina na observação das metodologias lean.


Desdobramento Estratégico

Assim sendo, a Melhoria Contínua terá, a par de indicadores de progresso, objectivos de performance absolutamente alinhados com a visão estratégica da empresa. Os indicadores pelos quais se medirá o sucesso do programa terão de resultar de um cuidadoso desdobramento dos objectivos estratégicos, como forma de motivar as chefias em cada nível da organização.

 

Mobilização

Um programa de melhoria pretende ter a abrangência de uma mudança cultural: deve moldar comportamentos e permitir o desenvolvimento da organização e dos indivíduos. Como tal, é fundamental que uma organização construa o seu programa com o objectivo de envolver os seus colaboradores de forma massiva, e é neste contexto que programas de reconhecimento de comportamentos e de desenvolvimento de competências são fundamentais.


Numa organização empenhada nesta mudança cultural, a liderança não é vista como uma posição de poder, mas de serviço. De uma chefia espera-se que cumpra com os padrões comportamentais que estão definidos e que assim sirva de exemplo; finalmente espera-se que se empenhe no desenvolvimento dos seus colaboradores, promovendo uma autonomia assente em ferramentas de gestão sólida, em comportamentos padronizados e em competências analíticas.


Metodologias

Aqui, como na vertente industrial, o PDCA, (Plan, Do, Check, Act) é a génese da análise de problemas. Tem origem num método científico que se constrói, acima de tudo, pela formulação de uma hipótese, a sua verificação através de uma experiência e a consequente avaliação de resultados. Este método cientifico é balizado, no contexto da Melhoria Contínua, por uma análise da situação actual face ao desejado e termina pela aplicação de uma solução que se infere do resultado da experiência, e que se traduz num novo padrão ou norma que permite proliferar e suster os resultados. Lean Management é o resultado da aplicação sistemática deste ciclo. 

Os 7 Desperdícios

A melhoria é, então, norteada por uma visão em que os processos serão constituídos exclusivamente por operações de valor acrescentado para o cliente final, e onde qualquer desvio deste ideal deve ser considerado um desperdício e consequentemente eliminado, recorrendo ao método científico abordado acima. Com efeito, estes desperdícios, classificados tendo por base os processos industriais, têm também paralelo nos processos administrativos bem como no seu efeito pernicioso nos custos processuais, nos prazos de entrega e, por conseguinte, na satisfação dos clientes.


A Análise da Cadeia de Valor

A metodologia mais utilizada nos processos administrativos, onde o output é um serviço, tem origem no “Value Stream Mapping” e no diagrama de processo “clássico”. Ilustra o desenrolar do processo identificando todas as operações e classificando-as quanto ao valor acrescentado que gera para o cliente.

 

O Processo de Melhoria 

Com vista à diminuição dos desperdícios identificados, e perante a causa que o determina, a equipa é chamada a propor soluções que decorrem muitas vezes de ferramentas já conhecidas, sejam elas de índole tecnológico (ferramentas de IT), processual, como por exemplo a delegação de autoridade, ou até organizacional.


Seguindo o protocolo do PDCA, é desenhada uma experiência ou um protótipo para pôr à prova as soluções apontadas, frequentemente originárias no Lean Manufacturing como os “5Ss” (processo de organização dos postos de trabalho) ou a gestão visual, que, uma vez confirmada a sua eficácia, serão forçosamente padronizadas por forma a assegurar a manutenção dos ganhos. O processo e os respectivos documentos serão revistos e o pessoal será treinado no novo processo. Auditorias serão planeadas e executadas durante o período considerado apropriado para a consolidação das novas práticas.


Os resultados são posteriormente aferidos, com base em situações que permitam a comparação com a situação inicial e servem de reflexão do resultado do projecto.


Diferentes ferramentas podem também ser adoptadas, reforçando mais uma vez a ideia que não é tanto a ferramenta mas o programa como um todo que permite a mudança das organizações, transformando-as em organizações guiadas por um estado de constante insatisfação e um propósito comum que, alavancados por metodologias sólidas, resulta numa continuada melhoria dos processos e, neste caso, melhoria dos serviços que lhe estão associados.


Uma Agenda para a Mudança

Os programas de Melhoria Contínua são despoletados pela consciência de uma necessidade que tem origem na voz do cliente. 


“O Exemplo vem de Cima”

Retomando a questão da liderança, não há dúvida de que da sua capacidade visionária depende o sucesso do programa: só uma liderança forte poderá reunir os fundos e alinhar os interesses da organização, e só ela poderá legitimar uma mudança tão profunda. De qualquer forma, uma vez que esses pressupostos estejam garantidos, a mecanização do sistema é, de certo, modo linear e tenderá a manter o seu curso. 


Finalmente, é necessário compreender que uma mudança desta magnitude não se faz sem algum cuidado posto no desenvolvimento de competências, quer através de formação específica quer proporcionando experiências que permitam aos colaboradores participar e pôr em prática, repetitivamente e sistematicamente, os conceitos adquiridos até que sejam interiorizados num novo comportamento. 


Estabilizando o gemba

A exposição de um programa desta natureza à organização inicia-se com o desdobrar das funções de gestão do dia a dia, do “chão de fábrica” ou do “gemba” (termo japonês para o local onde a acção decorre). A organização é definida de forma a que pequenas equipas de trabalho sejam estabilizadas quer na sua composição, quer nos seus objectivos.  Será nestas equipas delegada a gestão dos processos que lhes cabe e nelas recairá a necessidade da manutenção dos níveis de performance actuais bem como a reacção imediata a quaisquer desvios. 

Aumentando a Performance

Uma vez atingida uma certa maturidade e autonomia nas equipas, a organização será chamada a questionar os níveis actuais de performance. 


O gestor do programa terá a seu cargo identificar os maiores obstáculos ao alcance da visão partilhada e identificar os projetos que constituirão o portfolio dos projectos de Melhoria Contínua. Com base nas prioridades definidas, equipas multifuncionais serão temporariamente alocadas aos vários projectos e ser-lhes-á proporcionado apoio para que possam seguir uma abordagem científica do PDCA ao desafio imposto.


A Gestão por Indicadores

Finalmente, “o que não pode ser medido não pode ser melhorado”, pelo que é fundamental fazer o acompanhamento da implementação de forma rigorosa, com recurso a um planeamento e aos seus marcos, por um lado, e aos benefícios ou resultados, por outro. 


A gestão do gemba é marcada pela manutenção da performance, com indicadores alinhados com os objectivos da organização, sendo também importante a introdução de métricas que reflictam a mudança comportamental. É assim que no gemba surgem indicadores como o presenteísmo, a polivalência ou a participação no programa de sugestões, a par dos indicadores de performance como a produtividade, a qualidade ou o prazo de entrega. 


A componente de projectos deve igualmente ser alvo de escrutínio, com o propósito de verificar o progresso e o impacto na organização. O resultado dos projectos deve ser quantificado de forma a dar uma indicação do modo como contribuíram para os objectivos prioritários, sejam o nível de satisfação do cliente, a produtividade ou o prazo de entrega, reflectindo a visão estabelecida.


O Repto Final

Poder-se-ia apontar como desafio à plena aceitação da Melhoria Contínua na administração pública a falta de incentivo, pela ausência de um mercado competitivo e da pressão do lucro. No entanto, com a opção da privatização e a consequente concorrência, a globalização, as tecnologias e o acesso a recursos cada vez mais escassos, a pressão acentua-se no sentido de também o serviço público ser capaz de se reinventar, oferecendo serviços de acrescida qualidade aos seus clientes ou utentes enquanto reduz a sua estrutura de custos pelo aumento da eficiência.  


A análise da aplicação do Lean Management à administração pública tem sido maioritariamente motivada pelo interesse em saber em que medida estes programas poderiam atingir os níveis de fecundidade que atingiram na indústria. Os resultados que se conhecem, bem como os factores de sucesso, são avassaladoramente semelhantes, indiciando que também neste sector de actividade a Melhoria Contínua continuará a desbravar o seu caminho, evoluindo para programas devidamente integrados, participados, duradouros e impactantes.


Na desafiante missão a que se propuseram, os gestores públicos terão de olhar a formas de servir cada vez melhor e certamente encontrarão na Melhoria Contínua uma via, ainda que com alguns percalços, que permitirá proporcionar um serviço superior a funcionários, utentes e contribuintes incrementalmente satisfeitos.


Bem hajam!

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